O RPM e o auge do rock nacional

O RPM e o auge do rock nacional




Os primeros shows do grupo RPM aconteceram no lendário Madame Satã,e já em 1984 o grupo foi selecionado pela CBS, dentre tantos outros grupos do rock paulista que acabaram ignorados, para gravar uma faixa na coletânea Verão 85, “Louras Geladas”. 

Sendo o mais bem sucedido dos novos grupos da coletânea, partiu no mesmo ano para a gravação do primeiro LP (Revoluções por minuto) que em janeiro de 1986 recebeu o primeiro disco de ouro, com muitas faixas sendo executadas nas rádios FMs. 


O grupo fazia uma mistura que se revelou em curto prazo muito bem sucedida, unindo a seriedade do rock paulista (letras menos ingênuas, com temas urbanos ou com certa melancolia, musicalidade bem trabalhada, influências do rock anglo-americano mais contemporâneo, mas também do tecnopop e até do rock progressivo) ao pop (melodias assobiáveis, harmonias simples, letras facilmente decoráveis e imagem também atraente ao público infantojuvenil) – revelando-se uma versão local da dialética que atravessa as mensagens das letras das canções de rock (BLOOMFIELD, 1933).

Uma das grandes jogadas do RPM foi ideia do próprio grupo que, junto a um empresário de espetáculos, investiu milhões de cruzeiros na aquisição de equipamentos de som e luz superiores aos recursos da maioria dos outros grupos nacionais. Diante da decadência das danceterias, do ostracismo do circuito dark e das ingerências das grandes gravadoras, o grupo teve a bem-sucedida idéia de montar um verdadeiro espetáculo de som, luz e público para divulgar-se, ainda em 1985.

Fizeram ao longo de 1986 centenas de shows em vários locais do Brasil, sempre com o mesmo sucesso e histeria do público - o som muito alto e os efeitos tecnológicos mal conseguiam sufocar os gritos. Três milhões de pessoas assistiram os shows desta excursão - recorde na época e praticamente imbatível no Brasil. (RONDEAU, dez.1986, p. 03).

No segundo LP do grupo, Rádio Pirata ao vivo, a maior parte do repertório simplesmente repetia faixas já constantes no primeiro LP, acrescentando duas versões, além de algumas novas canções. Apesar de ser praticamente uma regravação ao vivo do primeiro LP, Rádio Pirata... vendeu cerca de 2 milhões de unidades.

Contudo, primordial para o sucesso do RPM e de todo o rock nacional no ano de 1986 foi a febre de consumo resultante do Plano Cruzado, que congelou preços e aumentou salários. Populações - de classes baixas a médias - antes privadas ou restritas ao baixo consumo de alimentos, bem como de produtos culturais como aparelhos de som, TVs, discos e espetáculos, de repente viram seu poder de consumo aumentado em grande medida, justamente num país que há anos, senão décadas, privava ou restringia o consumo da população, seja ele de alimentos ou de bens culturais. 

As consequências do aumento repentino do poder de compra da população foram uma explosão da procura e a incapacidade da oferta em acompanhá-la - forçando justamente o contrário do que fôra projetado pelo Plano Cruzado, ou seja, o aumento de preços devido ao excesso de procura. Quando, passado o período eleitoral, o governo voltou atrás e criou medidas de restrição ao consumo (que não conseguiram impedir o retorno da inflação em 1987), a indústria fonográfica já tinha obtido a maior façanha de sua história, vendendo só em 1986 o total de 55 milhões de discos e fitas K7, num montante de vendas no valor de 170 milhões de dólares, crescendo 40% em relação ao ano anterior. (BIZZ, abr. 1988, p. 62; BIZZ, dez. 1986, p.28).

O RPM acabou assumindo a função de puxar as vendagens de discos de pop-rock, nacional e internacional, no auge do Plano Cruzado. Foi a maior vendagem até então na história da indústria fonográfica brasileira (BIZZ, abr. 1988, p. 62). 

Assim como o Plano Cruzado, o RPM foi uma espécie de estrela cadente, de brilho raro mas brevíssimo. Foi um sonho da indústria fonográfica tão breve quanto a ilusão de que a solução definitiva dos problemas socioeconômicos do país teria se dado por meio de uma simples troca de moeda. 

Findo o Plano Cruzado e as ilusões, também as contradições do mercado musical pop-rock vieram à tona - principalmente os investimentos imediatistas e concentrados em uma única tendência que dera sinais de respaldo junto aos consumidores até seu esgotamento. 

O RPM só não esgotaria sua própria fórmula - que por um breve momento foi capaz de alcançar a unanimidade do público adolescente-juvenil - porque, pouco antes, encerrou suas atividades.

Além do RPM, o ano de 1986 teve como destaques grupos mais estáveis, considerados os principais nomes do rock nacional dos anos 1980, justamente Legião Urbana, Titãs e Paralamas do Sucesso. Enquanto o primeiro estreava no sucesso em larga escala, com seu segundo disco, os outros dois já vinham de discos de ouro anteriores e chegavam ao seu terceiro LP. Além do ápice de vendagens, de sucesso em shows e execução nas rádios, os três grupos realizaram em 1986 o que se pode considerar como os mais importantes discos de suas carreiras.

No ano de 1986, como nunca, as cidades de São Paulo e Rio de Janeiro foram palcos de inúmeros eventos relativos ao novo rock nacional e ao novo público interessado em uma música jovem mais autêntica, distante daquela das finadas danceterias. (JORNAL DO BRASIL, 28/mar./1986). As televisões criaram programas endereçados ao novo filão. Quanto à indústria fonográfica, segundo a própria imprensa comentou, 1986 foi o ano do excesso, bem como da mediocridade.

Por meio do excesso de lançamentos, sustentados pelas altas vendas de alguns discos que compensavam a grande parte das mediocridades descartadas pelo público, a indústria fonográfica brasileira repetiu no ano do cruzado as mesmas características e os erros da indústria fonográfica anglo-americana dos anos 1970. (FRITH, 1981, 1987). 



Impossibilitadas de saber exatamente o que seria adotado pelo público, além de tentar minar a concorrência, as grandes gravadoras lançaram todo e qualquer grupo ou nome que parecesse semelhante aos que haviam conseguido sucesso, com o agravante de fecharem o espaço para grande parte dos bons nomes surgidos no rock paulista, brasiliense ou em outros estados, bem como aos antigos grupos punks e aos novos de heavy metal.

Diante da política das grandes gravadoras, os selos independentes - exceto os de heavy metal - viram regredir seu espaço de atuação, tanto no mercado quanto criativamente. Os selos viam seus espaços serem fechados pelo excesso de lançamentos das grandes gravadoras, que possuíam maiores facilidades de divulgação, respaldo da mídia e, caso necessário, apelavam até para a desonestidade, como no caso das empresas de prensagem de discos. Segundo reportagem de maio de 1987, as prensas de discos, de propriedade das grandes gravadoras, pareciam estar boicotando encomendas de selos independentes (algumas encomendas tinham sido feitas no ano anterior). (BIZZ, maio 1987, p. 13).

Por sua vez, os grupos de rock passaram, em geral, a procurar os selos não mais para desenvolver criativamente sua musicalidade, ou cultuar propostas mais radicais que não eram aceitas pela indústria fonográfica, mas justamente para usarem os selos como trampolins em direção ao grande mercado (MAIA, ago. 1987, p. 94), prenunciando a configuração das relações entre grande mídia e independentes que se firmaria nos anos seguintes.

O rock nacional nunca primou pela criatividade ou artisticidade, principalmente em comparação com o rock anglo-americano - até mesmo na fase reciclada do segundo, nos anos 1980. Não apenas durante a fase new wave, mas também em seu auge, o rock nacional conservou seu baixo índice musical. Mais importante, porém, foi o fato de que o rock nacional não foi fonte ou fundo musical de movimento políticoo-cultural algum de grande porte da juventude. A maior parte dos músicos e públicos do rock nacional, nem mesmo simbolicamente, apresentaram qualquer indício de articularem-se como um movimento, conservando-se totalmente pulverizados e individualizados.

O rock nacional não foi um retrocesso estético, nem social ou cultural, até pelo contrário, pois representou um momento em que um mercado de consumo juvenil instituiu-se definitivamente no Brasil, ainda que com pelo menos 20 anos de atraso em relação aos Estados Unidos. O que é próprio do Brasil, e provavelmente seja a tendência do rock nos países fora do “Norte desenvolvido”, é o fato do atraso mercadológico não ter produzido nenhuma “contracultura” ou “psicodelismo” de efeito retardatário. (ROSZAC, 1972). Se no desenvolvimento material do mercado musical juvenil houve um atraso, o mesmo não se observou em relação aos valores - a instituição do mercado de consumo juvenil viu-se acompanhada dos mais recentes valores e ideologias de consumo propagados pela indústria cultural. (SANTOS,1992). 

Alguns relatos de músicos de rock atestam, com ironia e amargura, tal condição do rock nacional:
Quando surge finalmente como música da juventude de classe média, nos anos 1980, o rock nacional será uma música quase que exclusivamente de mercado e muito pouco “juvenil”: o Brasil recebeu o rock já descaracterizado como cultura juvenil contestadora, autêntica ou mesmo como arte. No Brasil, exceto por alguns setores, o rock é trilha sonora perfeitamente adaptável à vida de consumo e industrialização do capitalismo tardio.

Contudo, esteticamente o rock nacional não foi uma assimilação integral do rock internacional dos anos 1980 (o que explica as reclamações da crítica sobre a baixa qualidade musical do rock local), mas sim uma adaptação aos ouvidos juvenis brasileiros deste mesmo rock, mesclando heranças “bregas” e sentimentalistas.

Culturalmente falando, o rock nacional ainda era uma música “de transição”, não mais em relação a um mercado juvenil consolidado, mas agora em relação à mundialização da cultura. O rock nacional adaptava os ouvidos dos jovens aos principais ídolos e hits do pop-rock mundial, mas dificilmente poderia ser um produto exportável.