Luiz Schiavon "RPM é uma banda que tem 30 anos de história e a gente tem um estilo próprio que é a soma dos indivíduos"

A gente tem um bauzinho com algumas coisas antigas é ineditas guardadas, em caso não conseguisse compor um material de qualidade, é um plano B.


O Território da Música conversou com o compositor Luiz Schiavon sobre a volta da banda, a vida na estrada, o Elektra e a atualidade da banda.

O que mudou nessas mais de 3 décadas para o RPM?

Luiz Schiavon: Acho que o principal é a retomada das raízes, do que era o RPM na década de 1980. Hoje, com esse afastamento temporal a gente consegue enxergar com muita clareza o que é o RPM, para nós, para o público. A gente conseguiu voltar aos trilhos originais, aqueles da década de 1980. Hoje o RPM está muito mais próximo do RPM dos anos 1980 do que qualquer outro momento.


Então essa distância permitiu que vocês avaliassem o que vocês querem hoje...

LS: Quando digo que estamos próximos da década de 80, eu não falo em termos musicais. Eu estou falando de mecânica de trabalho. Como a gente trabalha, como funciona melhor, o que cada um faz de melhor, como cada um pode dar o máximo de si para que a banda soe bem. É uma forma de trabalho que a gente usava na década de 1980 e que se perdeu depois. Tentamos outras fórmulas que não funcionaram tão bem.


"RPM é uma banda que tem 30 anos de história e a gente tem um estilo próprio que é a soma dos indivíduos" 


E em termos musicais?

LS: Em termos musicais, o RPM é uma banda que tem 30 anos de história e a gente tem um estilo próprio que é a soma dos indivíduos. Hoje o que a gente tem de melhor é esse DNA do RPM que a gente reconhece e ama. Isso é filtrado por anos de carreira, durante os quais cada músico evoluiu, cada pessoa amadureceu. Sinceramente, acho que estamos no melhor momento de nossas carreiras. É um momento muito equilibrado, o relacionamento da banda está muito bom. A gente tem um prazer enorme em tocar, em estar no palco juntos.

Essa seria a minha próxima pergunta... No ano passado vocês fizeram diversos shows pelo País...

LS: 70 shows. (interrompendo)

Certo. E como foi reviver a experiência de estar na estrada juntos?

LS: É como eu te falei, teve esse prazer de reencontrar os caras, pensar “vamos pro aeroporto, que legal”. Ter esse relacionamento novamente é muito gostoso. E quando a gente sobe no palco hoje, a gente sobe com um prazer que eu não me lembro de ter tido antes.

"As redes sociais ajudam a gente a ter contato com o público"



E o público que vocês encontraram nessa turnê? Ele é diferente daquele que ia aos shows do RPM antes? O RPM atinge o público jovem que não chegou a conhecer a banda à época de "Olhar 43"?

LS: Pra gente foi uma surpresa enorme. Muito legal. Foi a melhor das surpresas. Porque a gente imaginou que ia ter um trabalho duríssimo de conquistar esse público jovem, que tem 14, 15 ou 20 anos. E imaginamos que encontraríamos o pessoal acima de 30, 35 que conheceu o RPM na década de 1980 e o pessoal que tomou contato na turnê de 2002 – que foi uma turnê muito bem sucedida, muito grande, fizemos quase 200 shows. Tem uma legiãozinha que é dessa época. Mas quando a gente começou a fazer os shows a gente se surpreendeu de ver gente muito jovem, muito jovem mesmo. Gente da terceira geração, que conheceu o RPM pelos pais, pelos tios, enfim... E as redes sociais ajudam a gente a ter contato com o público. Muitos desses jovens comentam que tomaram contato com a banda e descobriram a gente pela internet, no YouTube, em vídeos antigos, e que acabaram gostando das músicas.

Uma coisa engraçada que aconteceu com a gente, no começo da turnê, num show no Teatro Riachuelo, em Natal [Rio Grande do Norte], um teatro espetacular, e a gente imaginou que por ser começo da turnê, num teatro ‘classudo’, a gente ia encontrar um público acima de 30, 40 anos, tomando uísque na mesa e tal. Quando a gente chegou lá, realmente tinha esse público, e na parte da plateia, o pessoal do teatro teve o bom senso de não colocar cadeiras, e vendeu a plateia baixa a preços populares. Ficou lotada de moleques de 15, 16 anos, cantando as músicas novas e as antigas e até os lados B, como “Juvenília”, que nem fez sucesso na época. E o pessoal estava cantando! A gente quase chorou no palco.

Posso imaginar...

LS: E a gente tem encontrado esse tipo de situação quase sempre.

Você comentou que parte do público os conhece pela turnê de 2002, era o projeto da MTV...

LS: Exatamente, o “MTV RPM 2002”. Ficamos dois anos em turnê.


Divergências musicais foram sempre na verdade as causas de ruptura do RPM"


Na época criou-se uma expectativa de um disco novo, o que acabou por não acontecer. Não havia clima, faltou algo para o disco sair naquela época? O que aconteceu?

LS: Divergências musicais. Que na verdade sempre foram as causas de ruptura do RPM. A gente nunca teve briga pessoal. Ninguém nunca chegou para o outro e falou qualquer coisa que ofendesse. As nossas grandes brigas e separações aconteceram em função de divergências musicais.

Na época desse projeto, a gente estava em estúdio gravando um disco novo e havia uma divergência. Um queria puxar para um lado e o outro queria elementos que eram estranhos para a banda. A gente acabou não se entendendo e resolveu parar.

Como são exatamente essas divergências? Um quer algo mais pop e o outro quer mais rock?

LS: Isso já aconteceu. Houve essa discussão no começo da década de 1990, quando o RPM parou, de ir para um lado mais rock n’ roll, mais básico, de baixo, guitarra e bateria. Na década seguinte houve uma discussão sobre incorporar elementos da música brasileira, uns grooves. Essas contradições não permitiram que chegássemos num trilho. Para você fazer um CD de ponta a ponta, para fazer uma obra, você tem que ter coerência, cumplicidade entre os membros da banda. Não adianta um querer ir para um lado e o outro para outro. Não funciona. Hoje, a gente reencontrou o caminho natural da banda.

Em “Elektra” aconteceu essa cumplicidade, essa convergência...

LS: E foi uma coisa natural, a gente viu o que é o RPM. O que ajudou muito a gente a ter essa visão foi o “Por Toda a Minha vida” [programa da Rede Globo que foi ao ar em novembro de 2010 e contou a trajetória da banda]. Pela primeira vez, olhamos a banda de fora, vimos o RPM na televisão como espectadores e não como atores.

Quando se reuniram para fazer o álbum "Elektra" vocês usaram algum material antigo ou tudo nele é novo?

LS: É tudo novo! No começo a gente chegou a pensar em revirar o baú para procurar coisas. Mas o desafio era criar material novo... Vamos dizer que a gente tinha um plano B. Se a gente não conseguisse compor um material de qualidade todo novo, a gente tinha um bauzinho ali com algumas coisas guardadas que a gente podia usar em último caso. Mas não precisou.

Algumas bandas quando voltam, pegam um ‘hit’ antigo e dão uma repaginada para puxar o resto do novo álbum. Vocês pensaram em algo assim? Eu, particularmente, saúdo a decisão de não fazer isso, mas não rolou um receio de não ter a mesma aceitação que, em meados de 1980, era unânime?

LS: Sabe o que acontece? É que em quase 30 anos de carreira todos nós já provamos do que somos e não somos capazes de fazer. A gente não precisa provar nada para ninguém. O grande desafio era conseguir fazer um disco que nos agradasse. A consequência é fazer um disco que pode agradar ao público também. Tomara!

O que queríamos era um álbum consistente, músicas sólidas, letras boas, arranjos bacanas, composições sofisticadas. Queríamos resgatar a maneira de trabalhar do RPM que nunca visou como primeiro objetivo o sucesso comercial. Isso é histórico. Nosso primeiro disco não tinha uma música com refrão. As pessoas ouviam “Olhar 43” e achavam que não ia tocar.




Sinto que as canções de "Elektra" estão bastante dançantes. Elas têm um quê de anos 1980, acho que seria difícil que não tivessem, mas estão mais dançantes...

LS: Olha, a gente sempre flertou descaradamente com a música de pista, música de tocar na balada. “Olhar 43”, “Loiras Geladas”, “Rádio Pirata” são músicas para dançar. O RPM foi o primeiro artista do Brasil a disponibilizar músicas para DJs fazerem remix. A primeira música do RPM que estourou foi “Loiras Geladas”, em versão remix, nas casas noturnas, na década de 1980. Das casas noturnas, fomos para as rádios e aí começou o fenômeno RPM.

A gente sempre teve esse trânsito com a música dançante, eletrônica. Se você olhar o primeiro disco, das 12 músicas que compõe o repertório, três foram gravadas com bateria eletrônica. Usávamos sequenciador desde então. Em 1983 a gente usava computador no palco, uma coisa que era impensável. Esse flerte com a música eletrônica e dançante está no sangue da gente. Não é uma novidade, mas talvez tenha ficado mais evidente porque os recursos tecnológicos hoje permitem que você tenha um acabamento mais sólido para ter um groove legal e deixar mais descaradamente dançante. A gente começou tocando no que na época se chamava de danceteria. E se você vai tocar em danceteria é evidente que é para o pessoal dançar (risos). A gente gosta de tocar para as pessoas dançarem.

“Elektra” veio, inclusive, com um disco de remixes...

LS: É um desdobramento do nosso passado. Na década de 1980, cada vez que entrava uma música de trabalho numa rádio, era feito um remix que ia para a ‘noite’. Na época os remixes eram distribuídos exclusivamente para os DJs e para algumas rádios. Hoje, a partir de uma proposta da Building [gravadora], veio a ideia de já colocar no álbum as músicas de pista, as versões de dança.

Como foram feitos os remixes?

LS: Quem fez foi o Joe K, DJ. Demos 100% de liberdade pra ele, como sempre fizemos. Todos os remixes do RPM foram feitos sem a nossa interferência, para o DJ picotar do jeito que ele quisesse. O Joe K fez esse trabalho que eu gostei demais. Como músico de música eletrônica eu gosto disso. E foi um complemento muito oportuno no nosso álbum. A gente já entrega o pacote pronto, não precisa ficar baixando versão na internet, já tá tudo lá.

Todas as 12 faixas parecem compostas no teclado - ou muito calcadas nos teclados, sintetizadores. Isso é algo que você levou ao disco?

LS: Depende. Em algumas músicas que eu mesmo compus, a mola de condução é a guitarra. Em “Crepúsculo”, é um sample de guitarra do Nile Rodgers da década de 1980 que conduz a música o tempo inteiro. O Nando [Fernando Deluqui] tem um trabalho de guitarra muito bacana nessa música. “Problema Seu” é outra que tem essa característica. Algumas canções são baseadas em teclado, outras nem tanto. Algumas são baseadas na percussão. Mas essa é uma característica da banda. O RPM sempre foi uma synth band, como se costuma dizer. Usamos muito sintetizador e teclado. Tudo isso somado a uma guitarra muito pessoal que o Nando toca, que é legal pra c*, um elemento indispensável do RPM.

Os instrumentos são bem destacados no disco...

LS: Sim, porque cada um tem uma maneira muito pessoal de tocar. E é isso que cria o conjunto, a química precisa do RPM.

"Eu gosto muito de “Problema Seu”, acho que ela tem a melhor letra que o Paulo (Ricardo) fez na vida dele"


Com relação às letras de "Elektra", elas falam de muitas coisas e no geral me parece um disco positivo. Foi fácil escrevê-las?

LS: Eu não sei se seria tão positivo, não... Se você pegar músicas como “Problema Seu”, “Elektra”, “Muito Tudo”, são músicas que tem temas polêmicos. Falar em complexo de Elektra não é muito positivo. “Problema Seu” é uma música quase ilícita. É um disco que tem nas letras a visão de uma pessoa mais madura. Embora passe uma coisa positiva, lógico, tem um certo cinismo que você adquire com a idade, com o amadurecimento.

Acho que o que eu quis dizer com positivo é esse amadurecimento. As letras das novas canções apontam problemas, mas não os de um adolescente que está no olho do furacão...

LS: Não sei se isso fica explícito ou não, mas a tentativa é fazer com que a pessoa pense. Algo como “Pensa aí, pensa você. Não precisa pensar com a cabeça dos outros. Não vou falar para você o que é para fazer. Se você está vindo atrás de mim pra eu te explicar, eu também não sei. Problema seu, se vira”.

A gente hoje é bombardeado. Essa velocidade da mídia - cai uma bomba no Afeganistão e você já fica sabendo. É legal, mas por outro lado toda a informação fica irrelevante. “Ah, a garota caiu no Hopi Hari e morreu, o cara levou três tiros e morreu, o homem chegou a Saturno...” É tudo igual, tudo a mesma coisa! E as coisas têm relevância diferente. Você precisa olhar com um olhar crítico e não passivo. Cada um tem que ter uma maneira própria de avaliar a dar o peso que cada coisa tem. Acho que é preciso refletir, filtrar. Esse é o pano de fundo do álbum.

Por que o álbum se chama Elektra?

LS: Primeiro porque é um nome legal. Elektra já traz um movimento, traz ação, uma ideia de eletricidade, de eletrônica, que está lá no disco. É o nome da faixa que a tem uma das melhores letras do álbum na minha opinião.

É a música que você mais gosta no disco?

LS: É uma das que eu mais gosto. Mas eu não colocaria como a filha mais bonita. Eu gosto muito de “Problema Seu”, acho que ela tem a melhor letra que o Paulo [Ricardo, vocalista] fez na vida dele. E olha que sou parceiro dele há trinta e tantos anos. Gosto muito de “Muito Tudo”, de “Vidro e cola”...

Vocês liberaram 4 faixas do disco para download. Foi um teste para ver a reação do público ou apenas uma forma de divulgação?

LS: Foi um pouco de tudo. Desde que se soube que o RPM voltou houve uma pressão por material inédito. E também queríamos ver o feedback, o que as pessoas achavam. Em terceiro lugar, queríamos divulgar as novas músicas para tocarmos nos shows que começaram em abril do ano passado. Não queríamos que a turnê ficasse caracterizada como uma turnê de ‘hits’. Já era a turnê do nosso novo álbum.

Como você vê o mercado fonográfico atual, os discos digitais, a pirataria?

LS: O mercado se autorregula. Não adianta vir uma lei e proibir um moleque de 9 anos de baixar uma música. Isso é uma brutalidade e uma burrice. Esse garoto está divulgando a música e não fazendo pirataria. Essa visão de que o download é prejudicial é burra. O que prejudica o artista é ter um disco gravado de forma porca e vendido ilegalmente. A internet é uma ferramenta de divulgação. Desde que ela apareceu 90% do que se encontra lá é lixo e a pessoa tem que saber filtrar.

Fonte: territorio da musica