Fernando Deluqui lança quase em segredo o seu novo disco, que ele chama de RPM.

Ninguém pode considerar este trabalho como RPM.



Deluqui, que fez parte da formação original, se apropriou da marca e seu ego não lhe permite ver que esse projeto é uma roubada. Ele não é membro fundador e não é compositor de nenhum dos maiores sucessos da banda, mas por medo de não vender shows, engana o público se passando por RPM.

A seguir compartilhamos o material do Odair, Braz, que faz um resumo desse trabalho.


Um grupo pode seguir em frente sem seu vocalista e compositor? Pode, sim. Isso já aconteceu várias vezes na história do rock, com maior ou menor sucesso. O RPM, banda explosiva do rock brasileiro dos anos 80, tenta juntar os cacos e seguir por este caminho com o lançamento de Sem Parar. O disco é apenas o seu quarto de estúdio — tem mais dois ao vivo — e o primeiro sem Paulo Ricardo. E o que dá para dizer é que o cantor e baixista faz muita falta.

Este novo trabalho do grupo é comandado pelo guitarrista Fernando Deluqui, da formação original do RPM, e por Luiz Schiavon, tecladista fundador da banda que morreu em junho deste ano, mas que gravou todas as músicas novas. Ainda há a participação, em algumas canções, de Paulo Pagni, o P.A., baterista original que morreu em 2019. Quer dizer, este álbum que sai agora, foi quase todo produzido por três dos quatro músicos da formação clássica do RPM, que seguiu em atividade após a saída/expulsão de P.R.

A primeira música do álbum é Sem Parar e tem Deluqui assumindo os vocais, coisa que nunca fez no RPM antigo. A canção tem o som característico de Schiavon, que parece quase recriar o riff de teclado de Rádio Pirata. A guitarra também aparece bem, já deixando claro que o instrumento de Luiz não vai reinar solitário como no passado.

Não dá para dizer que Sem Parar seja uma música ruim, mas tem problemas de produção, a voz de Deluqui não encanta — dá para entender porque ele nunca cantou no RPM anteriormente — e a letra é bem clichezinho. Mas é um rock honesto.

Acontece que os problemas citados acima estão presentes em todo o disco em maior ou menor grau. Dioy Pallone, que entrou na vaga deixada por Paulo, tem a voz melhor que a de Deluqui, mas a coisa complica horrores quando ele tenta emular P.R. em alguns momentos, como na balada Ritual. A coisa chega a ser constrangedora tamanha é a forçação de barra para lembrar o antigo vocalista.

Aliás, este RPM atual — que agora só tem Deluqui da formação original — não quer nem saber de Paulo, mas tenta evocar seu estilo em vários momentos. Pallone imita seu jeito de cantar em algumas faixas e há também uma vontade de fazer letras como as do ex-integrante. A tentativa mais clara de simular o antigo P.R. está em Luar Neon, que parece ter sido gerada num liquidificador com palavras e termos usados pelo antigo cantor em canções do passado. Funciona? Não, não funciona.

Os temas mais políticos e sociais abordados pelo RPM, e que também eram uma característica específica de Paulo, aparecem no álbum. A questão é que Deluqui e Pallone não têm o mesmo talento e verve para composição do vocalista original e, assim, o discurso tem um nível estudantil, coisa quase de segundo grau. Este é um trecho de Conflitos:

“Eu não consigo parar de pensar em mim

Não consigo deixar de pensar em tantos assim

Vivendo num mundo pequeno à deriva

Apenas mais um no universo sem fim

Eu não consigo parar de pensar em mim”

Como assim “não consigo parar de pensar em mim”? Difícil de entender.

Lembrando também o RPM do passado, Sem Parar tem até uma faixa instrumental, Mergulho, coisa que a banda fez em seus discos dos anos 80. É uma boa faixa, com bastante destaque para a guitarra, que faz quase um duelo com a tecladeira de Schiavon.

Beijos Sinceros, cantada por Deluqui, vai na linha da balada delicada de A Cruz e a Espada. Escravo da Estrada é um rockão estradeiro que não combina muito com a sonoridade do RPM, mas também não compromete. Promessas, mais uma que tem vocal de Deluqui, é outro exemplo de letra com revolta estudantil que coloca gratuitamente um palavrão na música.

E assim o disco segue, ora soando mais roqueiro, ora olhando para o technopop de antigamente. Dá para entender por que Deluqui e Schiavon tentaram manter o clima de anos 80 no som, afinal eles tinham que dar sequência ao jeitão do RPM. Mas, com isso, acabaram passando recibo para seu antigo cantor e baixista. E isso virou um problema para o disco, que pretende seguir em frente sem Paulo, mas fica constantemente olhando para o passado.

E não tem como negar a falta que P.R. faz. Ele já foi o popstar perfeito, carismático e com múltiplos talentos musicais. É complicado mesmo perder alguém assim, principalmente quando não há um substituto à altura. Muito se falou recentemente — com a morte de Schiavon — que o tecladista foi o grande definidor do som do RPM. É verdade, mas Paulo, que também é um membro fundador, tem igual responsabilidade no que foi o grupo. Os temas abordados, as letras fortes e bem construídas e o jeito de cantar deram uma cara para a banda.


Assim, ao mesmo tempo em que tenta colocar mais guitarras e fazer um som mais rock, o novo RPM insiste em se manter dentro da “era Paulo Ricardo”. Com isso, as músicas novas ficam no meio do caminho, nem muito lá nem muito cá. Saiu algo híbrido e sem a qualidade de outros trabalhos, inclusive com Schiavon e seus teclados um pouco menos inspirados do que nos anos 80.

Nesse sentindo, Deluqui tem que decidir o que quer: se é dar o seu estilo a este RPM, que hoje é um catadão de músicos, ou se continuar suspirando de saudades de Paulo Ricardo — sem assumir isso, claro.

Mas tem mais um problema nesta equação: há uma movimentação na Justiça, com Paulo tentando impedir que Deluqui, agora único da formação original, continue usando o nome da banda. Talvez, por conta deste processo, o RPM tenha lançado este disco há poucos dias sem fazer qualquer alarde em suas redes sociais ou anúncio para a imprensa. É uma coisa praticamente inédita um artista colocar um novo trabalho na rua e não divulgá-lo de nenhuma maneira. Se o RPM se mantiver na ativa com a formação atual, seria bom contar para as pessoas que tem um disco inédito na praça.

Mas o futuro parece mesmo incerto para a banda que já foi a maior do Brasil.