RPM escadaria para o ceu (1986) - Revista Bizz

Luís Schiavon ... "É o que a gente queria, provar que uma banda brasileira, com técnicos brasileiros, num estúdio do Brasil, podia fazer um disco tão bom como qualquer um de fora".

RPM, a explosão do rock no Brasil.


BIZZ — Em primeiro lugar, gostaria que vocês falassem desta excursão nacional. Vocês iam fretar um avião só para isso. Qual o roteiro? 

Paulo Ricardo — Bom, o avião dançou. Dependia de patrocínio, uma informação que vazou antes da confirmação oficial. O que vamos fazer agora é Norte e Nordeste. Já fizemos Sul de montão, menos Santa Catarina. E vamos até Manaus.

BIZZ — Passando esta excursão, quais são os planos, principalmente em relação ao próximo LP?

Paulo Ricardo — O próximo LP é uma conseqüência óbvia. Vamos diminuir o ritmo de shows e começar a compor. Já está quase pronto. 
BIZZ — E como está?

Paulo Ricardo — Tem uma música nossa, nova. Outra nossa com letra do Péricles Cavalcanti. Tem um instrumental e vamos gravar "London, London" (do Caetano), com arranjo nosso. Estamos querendo diminuir o pique de exposição e trabalhar sossegado. Show é muito desgastante. E esperar os novos equipamentos que estão chegando (ver ficha técnica).

BIZZ — E aí? Vocês estão riquinhos, ganhando muito dinheiro?

Luís Schiavon — Oh! Você não viu lá (na revista Veja), 150 milhões por semana? Queria saber em que conta está.

Paulo Ricardo — (sério) Não, a gente ganhou alguma grana no começo do ano passado, mas de maio em diante íamos gastando tudo. 

Fernando Deluqui — Tivemos que acompanhar o avanço do sucesso com a compra de equipamentos.

Paulo Ricardo — Eramos paupérrimos. Instrumentos Giannini, amplificadores Palmer.

P.A. — E como usamos muito, gasta.

Luís Schiavon — Desgaste e obsolescência tecnológica. Se você pegar um catálogo de dois anos atrás, de qualquer fábrica, não encontra nenhum teclado ainda em produção. Provavelmente, o teclado que eu comprei agora e gastei a maior nota, daqui a um ano e meio terá de ser trocado.

Paulo Ricardo — Não temos mais preocupação com dinheiro. Dá para pagar o aluguel, sabe? Sabemos que temos muito chão pela frente. Não estamos naquele desespero de aproveitar a onda senão passa.

Luís Schiavon — Não temos mais essa mentalidade.

Paulo Ricardo — Nunca tivemos essa mentalidade.

BIZZ — E esta onda do rock brasileiro? Vai sobreviver ou dura até sábado?

Luís Schiavon — Até domingo dá para encarar.

Paulo Ricardo — Sacanagem. Acabar é fora de questão, não dá nem para supor. Acho que impregnou geral. A gente está com trinta anos de rock nas costas.

BIZZ —A gente quem?

Paulo Ricardo — O planeta Terra. O espírito está completamente incorporado.

BIZZ —Mas nunca houve aqui tanta efervescência como agora... 

Paulo Ricardo — É legal estar acontecendo no Brasil. Na Argentina tem muitas bandas, várias revistas, há anos. Só que eles não têm uma música tão forte como a nossa. Acho demais que a gente tenha tido Caetano e a tropicália, Milton Nascimento e Egberto.

Luís Schiavon — A MPB é forte.


Paulo Ricardo — Por isso o rock não foi mais forte. Mas sempre tivemos Rita Lee e Raul Seixas. E aquela moçada jovem, um pequeno grupo que tinha acesso à informação importada. Mesmo assim era difícil. Os discos chegavam com um ano de atraso, e o que tinha era a revista Pop, com aquele monte de bobagem. Para conseguir uma 
importada você suava. Isso até dois anos atrás. A garotada só pode se identificar com isso. Você não pode pensar num músico jovem contemporâneo fazendo algo desvinculado do rock. Vai fazer um grupo tg de chorinho agora? Não é possível. Só se ele viveu numa fazenda, isolado de tudo que aconteceu todos estes anos. Acho que tende a piorar.

BIZZ — Piorar?

P.A. — Aumentar a contaminação. Piorar para os outros.

Paulo Ricardo — Vai ter banda (lá fora) influenciada pelas brasileiras. Vai ser uma longa história.

BIZZ — Mas, por exemplo, na Inglaterra há duas correntes. Primeiro, se voltaram para a música africana; agora também para o cool jazz e bossa-nova. Isto não significa uma consciência de que o rock é meio pobre? E, se temos uma música tão rica no Brasil, qual a graça em fazer rock aqui?

Luís Schiavon — Na Inglaterra o que está vendendo adoidado é Madonna e Dire Straits. Esta tendência que você citou é do pessoal underground, tipo a gente, que gosta de Akira S e Mercenárias.

Paulo Ricardo — Não é o mainstream. Eu só sou a fins de enriquecer. Nunca vi a gente como uma banda de ROCK AND ROLL, tipo anos 60. Queremos fazer trilha sonora de filme, todo tipo de música. Temos aqui uma percussão riquíssima. As bandas vão colocando alguns elementos e passando por transformações, tipo o Talking Heads, mais africano. Essa coisa de devorar milhões de estilos é bem rock. 

BIZZ — Vocês acham que aqui no Brasil existem bandas interessantes? 

Paulo Ricardo — Tem pessoas que fazem sucesso e param. Tem sempre alguma armação dando certo. Mas você vê um show do Legião no Canecão — foi um espetáculo. As músicas novas são ótimas, o Renato está cada vez melhor. O Plebe também apareceu com um disco bom. O Ira! tem muita consistência. Quatro ou cinco anos de batalha e não esmoreceu. As bandas que conseguirem uma projeção popular vão passando às pessoas as informações difíceis de assimilar anteriormente. E as bandas bregas,cada vez menos acreditadas. Luís 

Schiavon — O pessoal foi percebendo que o povo não é aquele pinicão que todos pensavam.

Paulo Ricardo —O público da BIZZ teve a manha de eleger "Sei!' rá" a melhor música.

Fernando Deluqui — A tendência é (g aumentar e melhorar, justamente pela resposta do público.

BIZZ — E esta passagem do não comercial para o comercial? Algum perigo?

Paulo Ricardo — Já ocorreu e passou. O Ultraje fica bem nessa corda bamba, daquilo que seria engraçadinho se não fosse trágico. "Eu Me Amo" é uma análise de comportamento. Um conteúdo explosivo numa embalagem de rock. Quando você percebe já está cantando "Será" e "Geração Coca-Cola". Este é o ponto forte do rock.

Luís Schiavon RS! Três mil pessoas cantando "Geração Coca-Cola" no Canecão!

BIZZ — E com conhecimento de causa?

Luís Schiavon — Pó! (Balbúrdia. Todos falam ao mesmo tempo). No mínimo ele teve o trabalho de ler a letra e decorar. Não é uma letra fácil. É um processo subliminar, também. Mas funciona. Tanto faz.

Paulo Ricardo — Sabe, tipo "a televisão me deixou burro demais". Isso cria uma discussão supersaudável. 

Luís Schiavon — Quanto mais gente tiver informação boa na mão, melhor.

"Quem comprou Louras Geladas' levou um monte de informação para casa"

BIZZ — O disco de vocês é realmente um super LP, como vocês disseram?

Paulo Ricardo — Quem comprou o LP por causa de "Louras Geladas" e "Rádio Pirata" levou para casa um monte de informação que é uma síntese de vinte anos de rock que a gente ouviu.

Luís Schiavon — É o que a gente queria, provar que uma banda brasileira, com técnicos brasileiros, num estúdio do Brasil, podia fazer um disco tão bom como qualquer um de fora.

Paulo Ricardo — E não apenas a gente. Muitas bandas daqui são tão boas e tocáveis quanto qualquer m* lá de fora. Eles só têm a primazia porque os Beatles começaram lá.

BIZZ — O que vocês acharam da votação da crítica e dos leitores na BIZZ?Luís Schiavon — Só achei que a categoria "Instrumentista" deveria ser dividida em jazz, rock, etc. 

Paulo Ricardo — Não dá para comparar Barone com Egberto, entende? Fora isto, acho muito sadio. Ficamos até surpresos com nossas classificações. E lisonjeado-- com a elegância (fala com pose).

BIZZ — Ganhou duplamente. 

Paulo Ricardo — E. A única unanimidade.

BIZZ — Fernando e P.A. Comovocês entraram no RPM? Vocês não se sentem um pouco em segundo plano?

Fernando Deluqui — Eu tocava na Gang 90 e chamamos o Luís para tocar num show. Ele me passou uma fita com três músicas do RPM. Fomos ensaiar e saiu um supersom. Daí para frente rolou. Não me sinto em segundo plano. É que peguei o trem andando. Participo das composições, levo minhas idéias...

Paulo Ricardo — A gente não chega a ser Barão e Cazuza. E uma banda supercoesa.

P.A. — Eu conheci o Luís há quatro anos, por acaso. Fizemos um free de duas horas. Nunca mais o vi. Quando pintou o RPM ele começou a me ligar. Um dia, eu mesmo atendi. Nem lembrava quem era. Fomos fazer um ensaio e a primeira pessoa que encontrei foi o Fernando. Conversamos como se já nos conhecêssemos há anos.

BIZZ — Paulo Ricardo, você gostaria de trabalhar no cinema? 

Paulo Ricardo — Gostaria de fazer algo bem feito. Não filme de rock. Um filme da banda, talvez, a la Led Zeppelin, em show. No mais, só se fosse um papel legal. Desde que não atrapalhasse o trabalho com a banda.

BIZZ — Vocês acham que vai dar para sobreviver de música, digamos, para o resto da vida?

Paulo Ricardo — Pô! Sem dúvida! 

P.A. — Para mim é uma profissão, um hobby... Acho que vou envelhecer tocando.

Paulo Ricardo — E a gente esteve em Londres, levou o disco e as pessoas não acreditaram.

BIZZ — E? Fale um pouco dessa receptividade.

Paulo Ricardo — Fomos ver como está. Achamos muito devagar. Estão completamente perdidos. Já aconteceu/ tudo. Nada é levado muito a sério. Até o Cult, que é cultuado por uns e ridicularizadérrimo por outros. E os darks, estão assim já incômodos. Os produto-2 res de lá estão mais envolvidos! com frescuras do tipo Arcadia... a . gente até gosta.
Eles se preocupam muito com o periférico. 
De repente o que está fazendo sucesso na Inglaterra é Billy Bragg, um Dylan dos anos 80, com calça furada e um violão de aço. Acho que a gente (Brasil) está com tudo.

BIZZ — E essa efervescência em Nova York que vocês falaram? 

Paulo Ricardo — A miscigenação é muito maior. Vimos algumas coisas do Arto Lindsay, Golden Palominos, Bill Laswell. Não chegamos a conversar com eles, mas tivemos um contato com seus trabalhos. Nas técnicas de estúdio, de gravação, está rolando muita procura, mescla e ritmo brasileiro, mas muito sutil. Acho que as bandas brasileiras é que vão ter que se encarregar disso.

BIZZ — Então! Que tal as bandas brasileiras reciclarem esta raiz tão rica e temperar com o rock? Por que este menosprezo?

Paulo Ricardo — Esta é uma atitude radical, mas necessária. Depois as pessoas vão tendo menos vergonha e menos medo de absorvê-la. A gente, por exemplo, tinha aquela coisa incômoda de nunca ter atingido aquele nível de produção, aquele supersintetizador, queríamos tirar o atraso. Uma implicância, um certo confronto. Jogar com as mesmas armas. Tenho um amigo em Nova York que de vez em quando ouve o disco e diz: "Que barato". Mas lá pelo meio ele fala: "Ué? Eu não estou entendendo nada do que este cara está falando".

BIZZ — Eles sentem que é de outro lugar, pensando no som. Algo estranho, diferente?

Paulo Ricardo — Não, sentem uma identificação. Não estou querendo fazer nada folclórico. Apenas introduzir pequenos elementos.

Luís Schiavon — O grande obstáculo para a entrada no mercado estrangeiro é a língua. Não só o português. É corno o espanhol. Soa agressivo para eles. Eles têm o hábito de ouvir só inglês, não têm uma colonização cultural. Se não for cantado em inglês, não penetra no mercado.

Paulo Ricardo — Tenho certeza de que a maioria desses nossos roqueiros não têm o menor pudor em cantar em inglês.

BIZZ — Algum recado para o público?

Luís Schiavon — Exija sempre o original.