Paulo Ricardo "'Não sou saudosista nem estou interessado nas mesmas coisas de 30 anos atrás"

Paulo Ricardo, do RPM, diz que não voltaria a 1986: 'Não sou saudosista nem estou interessado nas mesmas coisas de 30 anos atrás'

O ano de 1986 é considerado histórico pela crítica musical quando o assunto é o rock brasileiro. Naquele ano, o cenário underground deu as caras e fez o Brasil conhecer diferentes bandas do gênero que lançaram álbuns clássicos, com letras repletas de acidez e indignação contra um sistema político que se caracterizava pela corrupção. Trinta anos depois, as músicas permanecem atuais, assim como o sistema.


Foram várias as bandas de rock que alcançaram o auge do sucesso e outras que iniciaram o estrelato e trilharam um caminho reconhecido pelo público. Difícil é escolher apenas um trabalho que sintetize o que foi 1986 no cenário da música brasileira. Alguns, no entanto, são considerados ícones e até hoje são vendidos, prova de que aqueles conteúdos eram e ainda são ricos e atuais.

Em 1986, o RPM, de Paulo Ricardo, Luiz Schiavon, Fernando Deluqui e Paulo P.A. Pagni talvez tenha sido a banda que atingiu os maiores feitos, não apenas em termos de cifras astronômicas de vendagens de álbuns, mas também com composições poderosas que em pouco tempo infestaram as rádios e programas de TV com voracidade.

Bastava Luiz Schiavon introduzir nos palcos os primeiros acordes eletrônicos no teclado de Revoluções por minuto que jovens ensandecidos entravam em catarse aos gritos de "Revolução, revolução, revolução!". Quando Paulo Ricardo surgia, vestido com uma capa preta de ombreiras sobre uma blusa regata cavada, munido de um contrabaixo poderoso, a histeria atingia o auge.

As cenas se repetiam a cada show do RPM. Quem não conseguia ir às apresentações recorria às lojas de discos para comprar um LP de Rádio Pirata Ao Vivo, um dos álbuns que se tornaram emblemáticos do rock brasileiro em 1986. Os hits do disco, 30 anos depois, continuam, além de ácidos, atuais diante de uma crise moral no Brasil.

em 1986 o rock brasileiro amadureceu, criou vertentes na música popular nacional e deixou uma herança única? Provavelmente, sim. Naquele ano, além do RPM, algumas bandas do cenário underground emplacaram trabalhos considerados primorosos pela crítica musical.

Avaliar o contexto de 30 anos atrás tem a ver, sobretudo, com o momento político e econômico em que o Brasil se encontrava. Engatinhando no pós-ditadura, o país buscava uma identidade em vários aspectos. O rock ecoou a necessidade de mudança e ela veio através da música. O resultado desse grito veio com músicas inesquecíveis.

Na comemoração do Dia Mundial do Rock, 1986 continua especial e impactante na memória de um dos responsáveis por estremecer o cenário musical naquela época, mas de forma amena. Em uma entrevista ao Viver, Paulo Ricardo, vocalista do grupo que interrompeu a parceria e anos depois do estrelato retornou com o mesmo gás, contou detalhes de 30 anos atrás e revelou não ser saudosista. Confira o bate-papo:



O ano de 1986 é considerado um marco na história do rock brasileiro, com o lançamento de LPs antológicos de bandas variadas. A que você atribui o surgimento de grupos que se tornaram ícones do cenário musical brasileiro naquele ano?


Nossa geração cresceu na ditadura, mas com uma trilha sonora primorosa, tanto nacional quanto internacional. Nossos 20 anos coincidiram com a anistia e o punk-rock, então estávamos com a faca e o queijo na mão.

Que trabalhos você destacaria, além de Rádio Pirata - Ao Vivo, entre tantos bons que surgiram?


Do período, gosto muito de Dois, da Legião Urbana. Renato era o melhor!

Atualmente, o Brasil passa por um momento político de extrema dificuldade, uma crise moral onde é difícil acreditar nos parlamentares que dizem representar o povo brasileiro, diante de fatos repugnantes. Em 1986, você cantou sobre um dos escândalos mais revoltantes da época, o Coroa-Brastel (*), na múcica Alvorada Voraz. No álbum MTV RPM, de 2002, a canção ganhou uma segunda versão, cuja letra cita o Caso Sudam (**) e parlamentares acusados de corrupção. Nas duas últimas duas décadas, sucessivos escândalos ocorreram. Respeitando as devidas proporções, de alguma forma eles se comparam ao que foi visto em 1986? Rádio Pirata Ao Vivo pode ser considerado um álbum político, onde as composições retrataram um sistema corrompido que se caracterizou pela impunidade, ou foi também uma forma de alerta, um grito através do rock para que o país acordasse contra o período sombrio pós-ditadura?

Com certeza! Tínhamos um grito preso na garganta, mas se formos comparar esta crise de hoje é muito maior. Por outro lado, estamos mais preparados e, sobretudo, fartos da cultura do "jeitinho" e da corrupção. A luta agora é de todos nós, cidadãos.

Todas as canções do Rádio Pirata Ao Vivo, incluindo as regravações de London London (Caetano Veloso), Flores Astrais(Secos & Molhados) e Light My Fire (The Doors), têm letras poderosas, ácidas, e arranjos diferenciados para a época, como a introdução de uma linguagem eletrônica. Musicalmente, o álbum reproduzia basicamente o que já havia sido feito no disco anterior, RPM (1985), mas cenicamente o show do disco ao vivo foi algo inédito, com raio laser, gelo seco, cenários e iluminação jamais vistos. O sucesso do álbum é indiscutível e os números de vendas confirmam isso. Qual a justificativa para esse reconhecimento e como você analisa Rádio Pirata – Ao Vivo?

Na época, vendemos 2,7 milhões de discos, porém mais importante é a relevância, o fato de que este e o álbum anterior, Revoluções Por Minuto, nunca deixaram de vender. Depois de quatro anos trabalhando como jornalista, fui morar em Londres (Reino Unido) como correspondente e lá entendi o que queria fazer, dar um padrão internacional ao rock brasileiro. Felizmente, o público entendeu e nos ajudou a fazer a revolução.

Trinta anos atrás, o Brasil saía de um período de ditadura e de eleições em que muitos trabalhos eram censurados. Rádio Pirata – Ao Vivo talvez seja o primeiro álbum de impacto gravado ao vivo e também sofreu censura. Como foi lidar com toda a efervescência e repercussão do disco, o sucesso da turnê e a expectativa dos fãs que tinham na música uma esperança de um país melhor?

Ficamos excitadíssimos com o fato da faixa Revoluções por minuto ter sido censurada e, melhor ainda, esta censura ter sido absolutamente ignorada. Tudo aconteceu muito rápido, foi um turbilhão e ninguém estava preparado para o que aconteceu. Fomos intensos e radicais e preferimos nos separar no auge a agonizar na mediocridade.

Embora você tenha demonstrado talento para criar novos trabalhos reconhecidos, é inegável que Rádio Pirata Ao Vivoe o RPM são divisores de água na sua carreira musical. Incomoda a você que, de alguma forma, parte do público associe o Paulo Ricardo apenas ao sucesso do disco e do RPM? O que você repetiria e o que não faria se pudesse voltar a 1986?

Não sou saudosista e não estou interessado nas mesmas coisas de 30 anos atrás. Não estou competindo comigo mesmo.

Existe cobrança para que você crie algo semelhante ao que foi feito 30 anos atrás? Como está o Paulo Ricardo hoje musicalmente, profissionalmente e pessoalmente?

Sigo em frente. Na verdade, já estou focado no próximo trabalho. Novo single, novo álbum, nova direção... Assim começa meu novo CD, Novo Álbum. Estou empolgadíssimo com o futuro e o passado é meu parceiro, se materializa a cada show.

* O Caso Coroa-Brastel foi aberto pela Justiça brasileira em 1985 contra o empresário Assis Paim Cunha e os ministros Delfim Neto (Planejamento) e Ernane Galvêas (Fazenda). Os ex-ministros foram acusados de desviar recursos governamentais na forma de empréstimo da Caixa Econômica Federal ao empresário, em 1981. Assis Paim foi um dos homens mais ricos e influentes do Brasil nas décadas de 1970 e 1980, cuja fortuna crescia 1 bilhão de dólares por ano. Seu império ruiu sob a intervenção do Banco Central (BC), que decretou liquidação extrajudicial do grupo Coroa-Brastel, em 1983. O processo foi concluído em 2001 e Paim recebeu R$ 100 mil.

** O Caso Sudam surgiu após acusações do ex-senador baiano Antônio Carlos Magalhães, já falecido, contra dirigentes da Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (Sudam), em 2001, que foram indicados durante anos pelo senador Jader Barbalho e pressionaram o governo a investigar irregularidades no órgão, nomeando o interventor Diogo Cyrillo. Uma auditoria realizada na autarquia em 2001 constatou o desvio de R$ 1,7 bilhão do órgão. José Arthur Guedes Tourinho, que havia sido indicado por Jader Barbalho para o cargo de superintendente da Sudam, foi demitido por suspeita de irregularidades.

fonte: http://www.diariodepernambuco.com.br/app/noticia/divirtase/46,51,46,61/2016/07/14/internas_viver,655066/paulo-ricardo-do-rpm-diz-que-nao-voltaria-a-1986-nao-sou-saudosist.shtml