Fernando Deluqui "Tivemos problemas com o DVD RPM, ele não ficou legal como a gente esperava. Por isso a gente não soltou."

Passei a ir pro estúdio com o Luiz e com o PA e a gente começou a trabalhar num disco que pode ser que saia, e o DVD, estão reeditando, então talvez a gente também lance logo mais.



O guitarrista Fernando Deluqui, conhecido por integrar o RPM, tem uma carreira solo. E também um programa que passa na web, uma mistura de música, viagem, dicas de turismo e surf. E sobre tudo isso e um pouco mais, o músico falou numa entrevista logo após um dos ensaios de sua banda solo, em São Paulo.

Simpático, educado, sorridente e solícito, Fernando Deluqui vai conversando e se soltando. No começo soa mais 'comportado', mas a entrevista vai se transformando num bate papo, com Deluqui soltando uns palavrões. Sem nenhuma agressividade. Há um clima tranquilo durante toda a conversa, apesar do telefone dele não parar de tocar. Profissional que é, não atende: só estica os olhos e dá uma espiada no aparelho.

Sobre a carreira solo, o guitarrista está empolgadíssimo e assumiu o controle de sua nau, mesmo que às vezes seja árduo administrar a própria carreira. O músico tem uma porção de material a ser lançado, mas ele não sabe nem como, nem quando. Sobre o programa, que se chama "Nau", como o EP lançado no final do ano passado, é um trabalho feito em equipe: "Nossa equipe é enorme: eu e minha mulher", ri o músico.

Rolou ainda um esclarecimento sobre o novo disco do RPM, aquele anunciado com produção do Lucas da banda Fresno: "algumas pessoas da banda não acharam que estava legal (...) achamos melhor segurar". E Deluqui completa que tem trabalhado com Luiz Schiavon e PA (tecladista e baterista do RPM, respectivamente) em um novo material que pode ser que saia este ano. Pode ser, reforça Deluqui. Confira todo esse papo na íntegra:

Você está divulgando o EP "Nau", lançado no final do ano passado. Esse é seu quinto lançamento solo, entre álbuns e EPs. Como você escolhe lançar álbuns ou EPs?

Fernando Deluqui: É uma confusão. O EP tem a metade de um álbum normal, e eu agora estou entre a cruz e a caldeirinha, pois não sei se termino as gravações de mais seis ou sete músicas para completar um CD ou se eu parto para um outro CD, porque passou tanto tempo que já dá vontade de fazer com uma outra pegada, outro produtor. Essas coisas vão mudando. O EP foi lançado em 2014, mas a gente teve alguns problemas na divulgação então a música só chegou nas rádios em 2015, perto da metade do ano. Por descuido, por incompetência mesmo.

Com relação ao lado administrativo da sua carreira?
Fernando Deluqui: É. Acabei não conseguindo fazer do jeito que eu queria no início. Mas agora a gente tem uma estrutura melhor, fica mais fácil.

Você está com um produtor ou empresário cuidando disso ou é você mesmo quem cuida da sua carreira?
Fernando Deluqui: Eu que estou cuidando. Eu tenho algumas pessoas que trabalham e ganham uma porcentagem para vender shows, mas o direcionamento de carreira quem faz sou eu. A Vi, minha mulher, me ajuda. Os músicos da banda também, a gente é uma corporação - a gente está funcionando nos moldes de banda mesmo. E isso invade o lance administrativo.

Isso é uma característica muito atual. Há muitas bandas e artistas que já estiveram em grandes gravadoras - como você - e que hoje estão independentes, no sentido de por a mão na massa mesmo...

Fernando Deluqui: É melhor por a mão na massa do que deixar nas mãos de alguém que não sabe trabalhar a linguagem que eu busco. Apesar de eu ser um cara que está no RPM há 30 anos, querer furar essa bolha do artista solo, virar um cantor conhecido e ganhar dinheiro com isso é muito difícil. É difícil chegar até o grande público para que você consiga ganhar dinheiro... Apesar de parecer que é mais fácil trabalhar com um empresário estabelecido, eu fui vendo que não era bem assim. Porque o Fernando Deluqui é um artista médio-pequeno. Eu não vou lotar um ginásio em Sorocaba, nem em São Paulo. Não agora. É um trabalho que precisa ser feito com muita paciência, isso vai demorar. Mas eu não vou parar. E eu estou gostando muito de fazer isso.

Isso me faz pensar que muitas bandas ou artistas dos anos 80 que voltaram têm passado por algo parecido - entrevistei o Alec Haiat, do Metrô, e ele falou sobre isso. Nos anos 80, foi um boom, um estouro, com sucesso, muitos shows e dinheiro. Mas hoje isso é muito diferente...


Fernando Deluqui: Eu senti uma depressão quando o RPM acabou. E quando voltou, já não era mais a mesma pegada em termos de sucesso. Isso foi um grande aprendizado. Mas é legal ir passando pelas fases, entender que são fases. E estar preparado. O RPM, depois de uns anos [do término da banda] perdeu o apoio da mídia. Eu não sei porquê. Talvez porque a mídia deixou de apoiar o rock e passou a olhar para o sertanejo. No final dos anos 80 veio o Zezé di Camargo e outros e esse segmento é que teve seu boom. A gente achou que o rock era para sempre...

Outro dia estava fazendo um workshop e falamos sobre isso. É glamoroso ser músico, tocar é gostoso. Mas você precisa lembrar que se isso é a sua profissão, você tem que encarar com muito respeito e saber que de um ano para outro as coisas podem mudar muito.

É um trabalho constante?
Fernando Deluqui: Sim, é constante. No RPM a gente teve muita sorte. Por dois anos fomos os queridinhos do Brasil, então as coisas eram mais fáceis. Foi uma explosão de sucesso na mídia. Todos gostavam de RPM. Mas isso não dura para sempre. Nem para os Rollings Stones, que tiveram seus altos e baixos - eles tiveram fases problemáticas, quase acabaram, brigaram...

Não é fácil nem para o Rolling Stones...

Fernando Deluqui: Não é. Eles tentaram carreiras solo, mas viram que não é tão fácil. Agora estão se aguentando juntos. E se consolidaram.

Além do sucesso tem a questão de como a pessoa irá lidar com o que acontece depois. A carreira solo é algo que requer coragem?

Fernando Deluqui: Pra caralho. É uma entrega total. E agora eu ainda estou com um programa de televisão...

Como está indo o programa?

Fernando Deluqui: Intimamente envolvido com a minha música. No show agora temos um telão que passa cenas do programa, ficou muito legal, e estamos incorporando trilhas do programa no repertório. Mas olha, é muito trabalho. Nossa equipe é pequena. Segunda e terça eu trabalho no programa. E não que eu esteja viajando: estou parado em casa, selecionando, editando...

Você participa de todo o processo de edição?

Fernando Deluqui: Totalmente. Nossa equipe é enorme: eu e minha mulher (risos). Então a gente fica trabalhando 'full time'. Mas é muito legal. O programa já tem quase dois anos, ele iniciou em novembro de 2013.

Uma coisa acaba impulsionando a outra (o programa e o show)?

Fernando Deluqui: Sim, o programa desde o início... Na verdade, como diz o [escritor] Paulo Coelho, quando você tem uma vontade e trabalha, as coisas irão convergir. Quando entreguei o piloto para a PlayTV, tinha músicas do Jimi Hendrix, do Led Zeppelin, coisas que eu sei que seriam legais para o programa. Mas quando a gente estava para assinar o contrato, o pessoal de lá me ligou e perguntou se eu pagaria os direitos dessas músicas. Eu disse que sim, mas quando veio a conta! Não ia dar. Fizemos uma reunião e me sugeriram fazer sem trilha sonora - eu mesmo tocando no programa. Mas eu surfo no programa, não ia dar certo.

Então eu tive uma ideia. Eu tinha um arquivo de coisas que gravei e guardei. Eu sou um cara muito certinho, muito organizado. E então eu disse por pessoal que ia entregar um novo piloto, substituindo a trilha sonora - agora com músicas minhas. E eles adoraram. Deu mais cara para o programa.

Você tinha muita coisa inédita guardada?

Fernando Deluqui: Muita. Foi de uma época que eu tinha um estúdio na Vila Madalena [em São Paulo] com o Luiz Waack, que tocou no Gang 90, e a gente fazia publicidade. Eu tinha acabado de me separar então eu quase morava no estúdio. No final de semana eu ía para lá e ficava gravando. Fui fazendo por prazer. Meu lado compositor foi melhorando...

Mas eu também pus coisas do EP "Nau" no programa. Então uma coisa ajuda a outra: o programa é um dos maiores veículos da minha carreira solo - tô botando "Dançarina" a torto e a direito nele - e o programa também entra no show.



Por falar em show, queria que você falasse do repertório. Ele é bem eclético: tem Pink Floyd; hoje, no ensaio, vocês estavam tocando Engenheiros do Hawaii; tem as suas músicas, tem RPM...

Fernando Deluqui
: Eu costumo dizer que ou tem música ruim ou tem música boa. O mercado é que talvez separe por estilos, coloque rótulos. Mas no fim, isso é bobagem. Eu, que sou o dono da rádio na hora do show, vou fazer o que eu acho legal. Com o Engenheiros, por exemplo, eu tenho uma história. Toquei com eles, o Humberto [Gessinger] é meu amigo, então eu sempre resgato alguma coisa nos meus shows. "Refrão de Bolero", que você ouviu a gente tocando, teve um impacto muito legal em mim na época. Assim como "Há Tempos", da Legião Urbana, e "Bete Balanço", do Barão Vermelho. E é legal deixar algumas dessas músicas mais rock n' roll! O repertório é escolhido por prazer.

E como o público tem recebido o show? Qual o retorno que vocês têm do público?
Fernando Deluqui: É uma viagem! Antes do lançamento do "Nau" eu fazia muito cover, mais até do que músicas próprias. Mas como esse disco ficou muito legal, a gente resolveu fazer o show meio a meio: meio cover, meio autoral. E trabalhar com bons produtores ajuda muito. O Tadeu [Patolla] e o Lampadinha me falaram: "você tem músicas ótimas, explique para o público. Não saia correndo e tocando as porras das músicas. Pare o show e fale das músicas". E isso funciona! Porque as pessoas querem escutar a história, saber de onde surgiu "Dançarina", quem é "Ester". E não só essas músicas, mas aquelas dos meus discos anteriores.

E são músicas que eu não fiz para gravar. Eu as gravei porque tinha feito. São músicas que têm uma razão muito forte para terem sido escritas. Algumas eu cheguei a chorar enquanto escrevia. Então é legal compartilhar isso com o público. Eles querem ouvir "Olhar 43", mas a gente também toca "Teu Futuro Espelha essa Grandeza", que é um puta lado B do "Quatro Coiotes" - e aí aquele fanzaço do RPM até goza na hora. E tem muita gente começando a curtir o trabalho.

E além do seu programa e do seu show, você tem que conciliar seu tempo com os shows com o RPM.

Fernando Deluqui: Eu estava comentando com o PA [Paulo PA Pagni, baterista do RPM] na volta do show de Rondônia. Apesar da gente estar com mais de 50 anos, a gente foi pra Ji-Paraná [onde aconteceu o show] pegou dois aviões, depois um ônibus, foram 500 km, e voltando pra São Paulo estávamos nos sentindo inteiros... Muito melhor do que nos anos 80. Quer dizer, é só não fazer bobagem que você aguenta o tranco. E precisa ter organização também e uma agenda, para ter tudo definido.

Rola muita roubada nas turnês?

Fernando Deluqui: Com o RPM não, nunca. Já na carreira solo... Eu estou contratando o técnico de som que era do Na Mata [bar em São Paulo], porque sem ter esse lado técnico acertado eu não aguento. Tem muita roubada por aí. Por exemplo... bom, eu não vou falar o nome da cidade porque pega mal, as pessoas não fazem por mal. É que às vezes chega lá, não funciona, não tem um técnico. E ter que acumular as funções de produtor e diretor de palco... Eu fico louco. E nessa cidade aconteceu isso: chegou na hora foi um desastre... Estou tentando não tocar em lugares sem estrutura.

Com relação ao RPM, além dos shows, a banda está trabalhando em material novo? Vocês chegaram a anunciar um disco novo...
Fernando Deluqui: A gente anunciou um monte de coisas. Principalmente o pessoal que é mais ansioso na banda, acaba falando mais que a boca e vai tudo pra internet. Acho que aos poucos a gente vai aprendendo a soltar as notícias. A gente ia fazer um DVD, que foi gravado em 2012 ou 2013, já não me lembro, e um CD que foi gravado com o Lucas, da banda Fresno. Tivemos problemas com o DVD, ele não ficou legal como a gente esperava. Por isso a gente não soltou.

O CD foi a mesma coisa, algumas pessoas da banda não acharam que estava legal, temos a questão política e financeira que também não é favorável, o que afasta investidor e patrocínio, então achamos melhor segurar. O Paulo está trabalhando na carreira solo, então ele aproveitou algumas músicas que fizemos para esse disco para lançar na carreira dele.

Então eu passei a ir pro estúdio com o Luiz [Schiavon, tecladista] e com o PA - o Paulo [Ricardo, vocalista] vai ser pai, então está todo envolvido com isso - e a gente começou a trabalhar num disco que pode ser que saia, veja bem: pode ser que saia, ainda esse ano. E o DVD, estão reeditando, então talvez a gente também lance logo mais. Mas não tenho datas. Às vezes as coisas são complicadas numa banda que já tem 30 anos. Na verdade só o fato de continuarmos trabalhando juntos já é louvável.

Algumas pessoas dizem "vocês estão só cumprindo agenda". Não, não estamos. A gente tem ido pro estúdio, estamos conversando. E os shows estão legais. Estamos tocando melhor.

Voltando pro Fernando Deluqui... Começamos a falar sobre o lançamento de um disco ou um EP no começo da entrevista. Tendo em vista o mercado, o que parece mais viável na sua carreira solo?

Fernando Deluqui: Você falando assim, já penso no investimento. Porque no EP você gasta a metade do dinheiro que gastaria num CD. Se você fizer um CD e errar, você gastou o dobro do EP. Claro que você nunca pensa em errar. Mas tem o mercado, pode dar errado. E você também pode escolher um produtor errado. Isso não é raro. Aí você gastou tudo o que tinha para fazer um CD e no dia seguinte você conhece o produtor da sua vida e então você diz "Puta que pariu! Eu podia ter feito só um EP e fazer outro agora".

Estou muito dividido sobre isso. Por um lado que quero fazer um EP novo, até porque ficar gravando 14 músicas parece que não acaba nunca. Por outro lado, estou com muito material que eu preciso lançar.

E para trabalhar esse material você pensa em continuar com o Tadeu Patolla e o Lampadinha, que produziram "Nau"?

Fernando Deluqui: Ah, eu adorei trabalhar com eles. Eles são foda. O Lampadinha é muito bom, ele fez uma mix pra "Ester" que ficou tudo muito pesado, sujo, mas ele conseguiu nitidez para todos os instrumentos. Foda. E o Tadeu, ele tem uma equipe, que porra... A gente fez um disco em 15 dias com ele, desde o início do trabalho até o fim da mixagem. Eu gostei muito. Porque eu gosto de fazer rápido. Quando eu sei o que eu quero e onde quero chegar, eu gosto de ser rápido. Mas também, o tempo vai passando e a gente conhece outras pessoas, então não sei. Não dá para saber.

Desse material que você comentou, há músicas prontas?

Fernando Deluqui
: Sim, tem muita coisa pronta, porque eu tenho uma obsessão por terminar um trabalho. Eu sou completamente apaixonado quando eu tenho uma ideia e até que acabar eu não sossego. Tem músicas cujo processo é demorado. Tem músicas que demoram 10 anos para ficarem prontas. "Dançarina" é uma que enroscou. Ela teve umas 3 ou 4 letras. Mas tem algumas canções que estão completamente prontas.

Às vezes eu registro mal e porcamente uma música: é uma ideia. Daí eu passo para a banda e a gente trabalha. Para você ter uma ideia, tem uma música que a gente está tocando, "Fora de alcance", que apareceu há mais de 10 anos. Eu tinha feito uma demo e uma letra. No final do refrão tinha essa frase, "fora de alcance". Eu achei muito legal, mas eu não gostei do resto da letra. Fiquei tentando fazer uma letra que encaixasse. Até que, um més atrás, eu tive uma ideia. Eu estava em Minas Gerais, na casa do meu sogro, todo mundo bebendo e conversando e eu pensei: "já sei como você fica fora de alcance: sendo um político brasileiro, que se dá bem". Aí pedi pro pessoal me falar o que faria se fosse um político. Eu fui pegando as frases e numa tarde eu tinha a letra que demorou mais de 10 anos para sair.

Com essa mesma turma eu criei uma música que se chama "Sabadão lá na Varanda", que é bem porrada. Fala de uma máfia que se reúne aos sábados. Tem músicas que são bem pra cima, tem umas que fiz há um tempão, músicas de 2005, 2006.

Eu percebo muita empolgação quando você fala dessas músicas. Mas o fã só pode ouvi-las nos shows, já que elas não estão registradas...

Fernando Deluqui
: Bom, o fã ouve no programa, eu as coloco lá. Mas claro que quero fazer um registro digno. Eu acho que esse suporte físico tem que continuar. Aliás, pro show no Tom Jazz, no dia 15 de outubro, eu quero fazer um CD - vamos ver se dá tempo - com 14 trilhas, as melhores trilhas do programa, para vender. Masterizado, bonitinho. Mas tem que ser físico, só streaming acho que não rola.

Fonte:http://www.territoriodamusica.com/